Eu e alguns amigos sempre tivemos o hábito de dar rótulos para as coisas. Criar um nome para padrões, como por exemplo “rêmora” para o comportamento das empresas que só vivem seguindo o líder de mercado, sem nunca ser uma ameaça
Esses dias, em uma conversa de amigos criamos mais um rótulo: lasanha com feijão.
Visualize a seguinte situação: sexta-feira, almoço na rua, self-service, você e seus colegas do trabalho. Alguém disse que queria comer comida italiana. Uma lasanha. É, uma lasanha cai bem. Tem lasanha no buffet. A pessoa se serve. Aí, no meio do caminho, volta lá pro começo da fila e coloca feijão no mesmo prato. Alí, tudo misturado. Afinal, feijão é um item básico da dieta de todo brasileiro. Uma voz interior quase diz “como você vai deixar o feijão ali?”
Agora tente imaginar o prato do seu coleguinha. Nada combina. Essas coisas não foram feitas para irem juntas. Era para ter escolhido só uma. Juntar as duas significa gastar mais e não ter o que se esperava. Ou ao menos eu imagino que ninguém saia de casa falando “hoje é um bom dia para comer lasanha com feijão”!
Esdrúxulo o exemplo e a imagem que você fez, né? Pois é, mas pra mim, define como as empresas pensam suas estratégias para inovar.
Segue o texto que eu explico.
Hoje em dia, duas palavras habitam o cotidiano de qualquer empresa, especialmente as mais antigas: obsolescência programada e inovação. É natural. O mercado tem mudado em uma velocidade absurda. Ontem era táxi, hoje é Uber, amanhã pode ser só carona e depois de amanhã nem motorista tem. Toda empresa que monitora minimamente o seu mercado sabe que ele está em constante reconfiguração, ganhando entrantes com outros modelos de negócio, mais ágeis, mais flexíveis, com menos custos e de fácil ganho de escala. Por isso, toda empresa que se preze está (ou deveria estar) se perguntando: o que vai matar o meu negócio? Muito torrent foi baixado antes do Netflix chegar.
Ninguém mais reina no mercado tranquilo. Parece uma propaganda antiga do jogo Call of Duty: toda hora que você acha que está ganhando, é surpreendido de onde menos espera.
Por isso mesmo, toda empresa que percebe o movimento da obsolescência programada e quer se manter viva, está buscando formas de viabilizar inovação nos seus negócios.
Essa mistura linda entra em cena depois que a empresa percebe os ventos da mudança e faz uma decisão por inovação. Mas, no meio do caminho… “será mesmo que a gente precisa mudar? Deu tudo certo até aqui!” Pronto. Está servida a lasanha com feijão.
De maneira mais simples, lasanha com feijão é a postura de algumas empresas onde dizem abraçar mudanças, inovação e disrupção, divulgando esse interesse aos quatro ventos. Mas, na realidade, não fazem qualquer movimento que de fato mude seu status quo.
A lasanha com feijão acontece quando uma empresa tenta adaptar seu negócio atual, “criar uma cara mais moderna”, sem de fato se reposicionar, para não ofender o atual meio em torno do seu negócio.
É compreensível a resistência. São anos de relacionamento com fornecedores e parceiros chaves para o negócio, equipes e sistemas moldados para o seu funcionamento, comunicação afinada, metas traçadas, missão e visão delineadas e fixadas ali na parede. Você vai jogar tudo isso fora?
É inegável também que muita gente que trabalha com inovação não colabora. O discurso deles praticamente é o de jogar tudo fora mesmo e começar do zero. Não é assim. Não adianta chegar como um revolucionário, falando para queimar manuais, uniformes e regras. Muitos ignoram o princípio básico para qualquer agente de mudanças, que é a empatia. Se nós, agentes de inovação e gestores de negócios, não entendermos juntos por que os manuais, uniformes e regras foram criados, vamos acabar queimando tudo para surgirem outros iguais amanhã. Inovação é sobre mudar uma cultura empresarial e não os seus elementos.
Mesmo sabendo destes fatores que atuam como entraves em inovação, o resultado continua sendo o mesmo: as empresas não estão buscando as respostas certas para as perguntas certas:
“O que as pessoas esperam do carro do futuro?” Será que elas esperam continuar tendo o próprio carro? “Como será o varejo do futuro?” Pra começar, será que o meio físico terá ainda relevância? E por aí vai.
Sem uma noção concreta dos riscos em não inovar, as empresas (e especialmente os seus gestores da alta liderança) continuam tentando adaptar a inovação à sua rotina quando na verdade elas que deveriam se adaptar à inovação. Se você quiser ver algum exemplo disso, basta pensar em casos recentes de empresas que disseram que mudaram sua proposta e seu posicionamento no mercado, quando no fundo mudaram realmente… nada.
Dica para lembrar de um exemplo: geralmente as empresas mudam a sua identidade visual quando querem anunciar essa dita mudança de rumos e posicionamento. Mas você, que também é cliente e não é besta, sabe que não mudou nada.
Tem coisas que não dá pra começar um processo e no meio do caminho tentar ajustar. Ou é uma coisa ou é outra. Ou é lasanha ou é feijão.
Seguir um caminho de inovação não é simples de trilhar, eu sei. Mas é necessário. E também não significa que a empresa precisa querer mudar tudo de uma vez. Ela pode fazer por partes, o que inclusive é recomendado! Ou mesmo, fazer em células separadas do negócio atual. É a postura de muitos laboratórios de inovação. Há cases excelentes em mais de um banco e seguradora no Brasil, negócios super tradicionais que criaram células, grupos e laboratórios de inovação e estão com tudo pra marcar um golaço e se manterem relevantes no mercado por muito mais tempo.
Mesmo tendo vários casos de sucesso de inovação em empresas tradicionais, no Brasil e no mundo, seguramente o caminho não é fácil. Exige persistência, resiliência e a certeza cristalina de que mudar é preciso.
O caminho é transitar para a inovação, fazendo da mesma maneira pela qual qualquer mudança de cultura que acaba acontecendo: começa com um grupo pequeno, que no começo parece excêntrico. Logo, começa a haver um maior entendimento sobre o que faz e o porque existe aquele grupo. E aos poucos a maioria das pessoas que compõem aquele ecossistema começam a se tornar parte da nova cultura. Ou no mínimo aceitar, o que as vezes é o máximo que podemos exigir das pessoas! Pense no processo para o divórcio se tornar algo comum na sociedade e você vai ver que foi algo mais ou menos assim.
Em resumo, o que precisamos é transitar para algo novo, com novas metodologias novas estruturas e outros enfoques. Isso é vital para a sobrevivência dos negócios. E, como diria aquela placa que existe no começo de vários self-services por aí: favor entrar na fila decidido e não voltar atrás.
Nadia Nogueira - 11/08/2019