O diabo das escolhas

Alexandre Nogueira - 10/01/2019

Nos últimos meses dois fatos me deixaram bastante pensativo (como diria a Bruna, minha esposa, mais do que o de praxe para um aquariano).

Fatos opostos, mas que no final são dois lados da mesma moeda. E tudo gira em torno de escolhas: sobre como nós escolhemos (ou não) o que consumimos. Não, não é um discurso conspirador. É uma reflexão sobre como nossos padrões de consumo estão mudando e sobre como nós consumidores navegamos nestes mares do mundo contemporâneo.

Lado A

Saíram várias notícias nos últimos meses sobre como as livrarias estão mal das pernas e que a Livraria Cultura está em recuperação judicial. Foi uma daquelas notícias que deu uma pontada no coração.

Venho de uma família que sempre valorizou a leitura. A casa dos meus pais é forrada de livros. É algo marcante mesmo na casa deles. A foto deste artigo foi tirada no escritório, mas poderia ser tirada na sala de estar, no corredor, etc. Há livros para todos os lados.

Passei inúmeras horas dentro de uma das unidades da Livraria Cultura, descobrindo livros novos sobre Design, Linguística, Arte, Psicologia, e tudo mais que a voracidade por conhecimento pedisse. Era mágico.

Por isso mesmo, a ideia de que a Cultura poderia sumir foi chocante. Mas de repente eu pensei: quando foi a última vez que comprei um livro lá? Me dei conta que havia três ou quatro anos.

Com esse sentimento de que precisava fazer algo, fui ao shopping em novembro para ver alguns livros que me interessassem. Entrei na loja e fui fazendo uma lista de livros, anotando preços e tirando foto das capas. E, como sabia que teria Black Friday, acabei não comprando nada para esperar.

Pois bem, o Black Friday chegou. E, antes que eu pudesse pegar a chave do carro, chegou um email da Amazon. Abri, cliquei, entrei no site. Vi que, se comprasse tudo na minha lista, economizaria cerca de R$100. Mais: Se comprasse alguns deles como ebook, economizaria R$170 no total. Com a economia dos ebooks, acabei optando pela Amazon, apesar de nunca ter comprado um ebook na vida (juro).

 

Mas não se trata de uma questão somente de preço e tipo de produto. Além da compra, acabei fazendo uma wishlist bem completa, em poucos minutos, com tudo aquilo que queria, deveria ou desejava comprar. Agora recebo emails avisando quando os livros estão em promoção, quando há um novo livro do autor ou quando há bons preços em livros similares aos que estão no meu wishlist.

Então eu pensei: quantas vezes eu entrei na Livraria Cultura na minha vida? E, depois de todas essas visitas e compras, o que eles sabem sobre mim?

A resposta um tanto óbvia mostra bem porque eles estão nesta situação. Não é sobre o tipo de produto ou tão somente sobre custos fixos maiores. É sobre entender seu cliente e o seu comportamento em cada ponto de contato, tornar sua jornada mais simples e, claro, personalizar a sua experiência.

O novo mercado novo

Já se discute há algum tempo que os clientes buscam experiências. Existem ínumeros artigos sobre isso e eu não saberia citar apenas um. Mas, afinal, o que isso quer dizer? O que diabos é essa experiência que o cliente tanto quer e quase ninguém oferece?

Na minha simples visão, quando falamos de criar experiências desejadas pelo cliente estamos falando no fundo de criar facilidades para os clientes.

Isso vale na compra de tickets para diversos produtos, no conforto do seu lar e sem precisar ir até um ponto físico. Vale também para saber com um toque se algo ou alguém é confiável na visão de uma rede de usuários. Ou seja, são experiências semelhantes às anteriores, mas agora cobertas de facilidades que não existiam antes.

O que estamos falando tem a ver com o momento atual do mercado, onde existem opções demais para tudo. Logo, as pessoas anseiam por algo que simplifique as escolhas, aliando também rapidez e segurança ao processo. Faz muito sentido se você pensar na sua vida e nas novas empresas que agora fazem parte das suas rotinas de compras. Provavelmente é isso que elas oferecem pra você: o mesmo produto em síntese, mas agora coberto de facilidades.

Sim, essas novas soluções que trazem tantas facilidades são geralmente soluções de base tecnológica, porque facilita o ganho de escala, diminui custos fixos e aumenta a velocidade da troca de informações. As vantagens óbvias.

Estas vantagens fazem com que empresas tradicionais também busquem soluções online para os seus negócios, como forma de se atualizar. Mas não é tão simples assim.

Muitas empresas mais antigas olham somente as vantagens para o seu negócio, achando que isso é suficiente para voltar a atrair de novo os clientes. Modernizar, sem entender a proposta de valor e sem criar facilidades reais para os clientes, é um atalho para um investimento fracassado.

São os táxis colocando balinhas “para ficar mais amigável”. São lojas de varejo criando e-commerce só para “cortar custos”. São agências do governo mantendo a burocracia, mas agora com os formulários online.

Nesse grupo de soluções que visam o negócio apenas e não criam valor para o cliente, está também a Cultura e suas iniciativas como seu e-commerce ou o Kobo. Veio tarde e veio já meio sem propósito.

Não estou aqui pra jogar confete para a Amazon. Mas sim para confirmar que o varejo como conhecemos está morrendo aos poucos e a culpa não é da Amazon e plataformas similares. A culpa é da incrível incapacidade dos negócios em se adaptar para consumidores cada vez mais ávidos por facilidades, já que o acesso aos produtos virou item básico.

Podemos colocar no balaio a questão da personalização, que está fortemente associada às facilidades que os negócios buscam cada vez mais proporcionar. E tem tudo a ver com o lado B dessa história.

Lado B

Eu sou um fã do Spotify. Eu sempre digo que existem três coisas no meu cartão de crédito que eu pago feliz: Spotify, Netflix e Webflow (a empresa que me vende a facilidade de desenvolver sites sem mexer em uma linha de código).

No final do ano eu e todo mundo que assina o Spotify recebeu um email com dados sobre o que ouviu durante o ano. Qual o artista mais escutado, qual o gênero musical preferido, qual a música mais antiga da sua biblioteca e tudo mais. E podia compartilhar o seu resumo nas suas redes sociais, claro. Varios amigos fizeram esse compartilhamento. Super legal.

Eu já sabia que eles e elas tinham gostos completamente diferentes dos meus. Mas a supresa foi ver que eu não fazia a menor ideia de quais eram os artistas mais ouvidos por eles durante todo o ano.

“No meu tempo”

A pessoa que vos fala é da geração Y. A última geração a nascer em um mundo analógico.

Eu sei bem que existia menos acesso a opções de artistas e bandas e era mais difícil descobrir coisas novas e diferentes. A gente consumia muitas vezes o que tinha. E ponto. Já o mercado moderno (e especialmente o mercado digital) possibilita conhecer artistas e bandas que a gente não fazia nem ideia que existiam e o quanto eles tinham a ver com você.

Para tal, o Spotify e outras soluções digitais usam algoritmos, projetados para interagir, entender minhas escolhas e fazer sugestões condizentes com as minhas escolhas. Funciona mais ou menos assim:

Esse ano o Spotify me apresentou uma banda sueca de hardcore e uma banda de heavy metal húngara. Duas gratas surpresas, que seguramente eu nunca teria descoberto. Eu disse os estilos e bandas que gosto e, como o espectro de músicas do Spotify é enorme, ele me diz “olha, achei isso aqui lá do outro lado do mundo que parece ter a ver com você”.

Ok, mas e se eu não estiver afim de escutar rock?

Vale lembrar que as pessoas tem gostos diversos, que variam de acordo com o dia, com o local, com o momento de vida. Ou seja, o refinamento pode acabar filtrando opções que somente não eram boas opções naquele momento. A sua conta termina personalizada, claro. Mas se torna algo quase assim:

E o problema é que se torna bem difícil quebrar o ciclo que temos com o algoritmo do Spotify para daí encontrarmos algo diferente ou mesmo inusitado. E isso é complementado pelo fato de que as pessoas muitas vezes não percebem essa relação.

Como qualquer boa interface, a do Spotify é projetada para você nem pensar nas suas ações antes de realizar. Dito de outra maneira, a facilidade que o Spotify traz para escolher músicas é tal que as pessoas acabam se acostumando ao Spotify somente escolher as músicas.

Aí comecei a me faz perguntar: Até que ponto as escolhas são realmente minhas? Será que elas se tornaram somente fruto de um algoritmo bem elaborado?

A impressão que eu tenho é que estamos todos só seguindo algoritmos nos nossos canais de entretenimento, da mesma forma que um inseto segue a luz.

Isso vale para Spotify, Netflix e outras soluções. Até mesmo o Kindle entra nessa história (ora veja só).

A conclusão

Como disse lá no começo, meu objetivo é provocar uma reflexão e não trazer uma solução. No máximo, dizer que vale sempre pensar: o que meu cliente busca agora? É um processo que precisa ser fluído e contínuo e parte da rotina de todas as empresas que quiserem se manter relevantes. Essa afirmação serve para a Cultura, para o Spotify e para praticamente todas as empresas no mercado.

Parece um tanto óbvio, mas ainda é gritante o distanciamento em que as empresas se colocam do cliente, com um manto de formalidade e interações nada organizadas. O que o cliente fala na ponta quase nunca chega até quem tem poder de ação.

Não dá mais para permanecer parado, mesmo que as suas soluções de negócio pareçam funcionar muito bem. Inovação é como tromba d’água: sai levando todo mundo que está confortável e desprevinido.

E, do ponto de vista do cliente, não seja só o inseto que segue a luz! Questione, opine e melhore sempre!